• Como se comportar frente agressões e provocações do advogado, se está iniciando no ramo das perícias. Aventuras jurídicas. O peso do assistente técnico. Viabilidade da ação. Dancing With the Stars – programa de TV. Sun Tzu.

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial[1] em São Paulo.

    O assunto que mais gera perguntas dos interessados na perícia judicial é como agir frente ao comportamento agressivo do advogado e ataques pessoais a pessoa do perito. Antes precisamos ver o contexto em que estamos lidando.

    Panorama

    Antigamente, o advogado picareta manobrava com mais espaço, pois seu cliente – às vezes – nem sabia o número do processo ou a vara onde tramitava. Com a tecnologia, os processos ficaram acessíveis ao cliente e muitos advogados picaretas se revoltaram. Bons advogados aprovaram a transparência, isso até ajudava, pois é comum que os clientes desconfiados telefonem para pedir explicações sobre um trâmite processual, como um simples despacho comum, que por sua linguagem, causa insegurança no leigo. Já os picaretas se apavoraram. A partir daquele momento, seus clientes poderiam avaliar e questionar a qualidade da defesa ou o empenho do picareta no processo. Portanto, jogar com a falta de transparência ainda ajudou muitos advogados do passado. Isso não cola mais.

    Existe também uma corrente de advogados que trabalham com uma regra infeliz – impugnar todas as manifestações da outra parte. Jogam infinitamente dessa forma e fingem que estão trabalhando. No entanto, os clientes não são mais trouxas, pois podem buscar informações na internet e traduzir o que está havendo dentro do processo – a tão temida transparência. Não consigo compreender como um advogado possa ser feliz e ter algum sucesso trabalhando dessa forma de impugnações infinitas.

    De qualquer forma, a cobrança do cliente aumentou proporcionalmente com a transparência e com a ferramenta sistema Push nos sites da Justiça. O sistema Push é uma forma simples de cadastrar seu e-mail naquele processo e receber uma mensagem a cada andamento processual. Uma forma de vigiar o advogado contratado e medir seu desempenho, independente da unidade de medida, leiga ou técnica. É um direito do consumidor e de qualquer pessoa ao contratar um serviço – acompanhar o andamento da prestação desse serviço.

    Vamos pensar que o perito novato leu os autos, marcou a perícia, avaliou o paciente, pensou, escreveu e entregou seu laudo. Uma das partes será contrariada neste laudo e se a parte for representada por um tipo dos advogados impugnadores que descrevi acima, o comportamento virá bem previsível – o texto atacará o trabalho do perito. Note que não irá atacar os argumentos usando a Ciência. Irá atacar a capacidade, o conhecimento, o profissional do perito que assinou o laudo. Veremos alguns péssimos exemplos dessas manifestações sem educação que lidamos no cotidiano:

    “não possui capacidade técnica para a atividade que assumiu”

    “Mas…como em “um passe de mágica”, a nova e misteriosa conclusão passou a ser”

    “Ante à desconexa conclusão laudo, importante destacar que, antes, no que tange aos pontos controvertidos”

    “não é preciso sequer analisar profundamente os termos do inexplicável “laudo substitutivo”

    “requer a expedição do ofício para o comitê disciplinar do CROSP para apurar a conduta ilegal do perito”

    “a incerteza das conclusões”

    “destaque-se, ainda, nesse sentido, apenas a título de exemplo (dentre tantas outras aberrações) que o perito”

    nada mais lamentável e absurdo poderia ter ocorrido”

    “seja determinada a realização de nova perícia”

    “anulação imediata do laudo”

    “O perito hesita nas respostas”

    “Não sabe responder”

    Note a boa quantidade de palavras abstratas. Escritores hábeis falam por verbos e substantivos concretos. Medíocres falam dessa forma dos exemplos acima – muito pronomes indefinido (alguns, muitos, certos), voz passiva, nominalização, verbos de ligação e locuções verbais. Quem gosta de Redação já percebeu que o advogado agressor tem dificuldades em se manter no assunto. Afinal, a fase pericial é científica, apresentada por quesitos suplementares, textos e seus trecho de livros ou obras científicas. Fugir da Ciência demonstra o desespero ou é a resposta à pressão do cliente do advogado. O advogado que age assim provavelmente já recebeu um telefonema de seu cliente que questionou o “porquê de que aquela causa ganha[2] não está saindo conforme a promessa inicial”, feita lá na época da contratação. O advogado está pressionado, seu cliente quer explicações. O primeiro erro foi certamente ingressar com uma ação sobre Odontologia sem contratar um assistente técnico – essencial, pois conhece a Ciência. E somente quem conhece essa Ciência terá sucesso numa fase pericial e na apresentação de quesitos que realmente defendam sua posição.

    Já escrevi que assistente técnicos são vitais para ingressar com causas de indenização na Odontologia. Mesmo antes de iniciar qualquer avaliação, a ação precisa ser pertinente, precisa ser lógica, precisa ter fundamento. Do contrário, chamam-na de aventura jurídica.

    A análise de viabilidade daquela ação deve ser obrigatória, antecipada e humilde. Se não temos fundamento, melhor nem mesmo ingressar com a ação. Isso protege nossa reputação, mas também protege o escritório de Advocacia. Aprendi isso com uma advogada de São Paulo, Fernanda Zucare, que dirige um belo e lucrativo escritório no bairro de Santana e tem certificados de boas práticas empresariais. Ela não aceita qualquer ação somente porque um cliente deseja pagar. Ela pensa em sua reputação. O gerenciamento de uma crise frequentemente perde o controle e existem profissionais que trabalham com esse gerenciamento.

    Xingar o perito nos autos é uma crise que precisa ser gerida e vou ilustrar. Falar sobre teoria exige exemplos concretos.

    Nas Olímpiadas do Rio de Janeiro 2016, um episódio lamentável aconteceu com o nadador americano Ryan Lotche. Ele afirmou mentiras sobre um suposto sequestro ou uma tentativa de extorsão de policiais brasileiros. Nada disso aconteceu. Um vídeo de câmera de segurança de um posto de gasolina desmentiu o nadador. Tudo foi apurado e as mentiras dele foram descobertas. A opinião pública e outros atletas ficaram contra ele. Foi banido dos jogos. Todos os seus patrocinadores cancelaram os contratos. Ele voltou para casa sem nada. Então, eu descobri o que era o Dancing with the Stars, aquele programa que um famoso tinha seu professor de dança e um prazo para aprender a dançar e se apresentar.

    Dancing With The Stars

    Descobri a interessante história desse programa. Uma empresária americana tinha uma ótima habilidade com gerenciamento de crises. Ela pensou e criou o programa. O objetivo não era ensinar a dançar ou divertir. O objetivo era levantar famosos que haviam se metido em confusões e que estavam com a imagem arranhada. Era o caso exato do nadador Ryan. Ele pagou uma fortuna para esse profissional, que tinha a participação no programa. Ela o incluiu como dançarino para melhorar a imagem dele. E deu muito certo. Com as orientações sobre simpatia, bom comportamento, Ryan foi voltando a antiga imagem, de nadador e vencedor. Ele se reabilitou por meio do Dançando com as Estrelas nos EUA. E conseguiu reverter sua situação em menos de um ano. Ele se desculpou publicamente, tudo sob a consultoria de altíssimo padrão dessa empresária – que não me lembro o nome. Então, descobrimos para que o programa de dança serve – para ser contratado por famosos em situação difícil, que pagam uma fortuna e receber uma assessoria profissional para reabilitarem-se. Genial.

    Voltando ao processo

    O advogado que fez a besteira não tem dinheiro para contratar a assessoria do Dançando com as Estrelas. Ele está ferrado, sem dinheiro, suas petições fracas espantam mais clientes. A concorrência jurídica o devora. E um perito arrogante – na verdade, um perito correto e trabalhador – descobriu a verdade. Então começam os xingamentos nos autos. E uma coisa intolerável para os juízes de direito é bate-boca e escândalos nos autos. Não pode. Tem que cortar.

    Não entre na do advogado galo de briga e não responda. Use a minha estratégia:

    A fase pericial é uma fase com debates sobre a Ciência contida na Odontologia. Vez que a parte não foi capaz de apresentar quesitos para defender o seu ponto de vista, o perito requer o encerramento da fase pericial.

    Basta esse parágrafo acima para resolver as agressões nos autos. Não tente responder uma a um dos questionamentos sobre supostos erros ou incapacidade do perito. Restrinja-se a Ciência. O que não for Ciência, nem tenha o tempo de ler. A melhor defesa é fazer com que o cliente entre em conflito com o advogado, em razão de sua incompetência. Xingar o perito é um absurdo.

    Bibliografia

    Para entender o pensamento, dois livros são essenciais: 1) A Arte da Guerra, Sun Tzu e 2) 48 Leis do Poder, de Robert Greene. Acho que a melhor forma que consigo explicar é esta. Uma briga ou guerra se resume a energia de cada oponente. Então, considere que é mais importante que seu inimigo consuma a energia dele do que você ganhar muita energia. Muitas guerras foram vencidas com essa estratégia – o general poupava seus recursos, mas usava uma estratégia para que o inimigo consumisse a energia dele. Como exemplos: ataques com fogo nos suprimentos inimigos ou lançar o inimigo em uma perseguição inútil. Estes dois livros são ricos em exemplos estratégicos.

    De qualquer forma, não consuma a sua energia respondendo às agressões do advogado perdedor, faça com que ele gaste sua própria energia até a exaustão. Essa é regra de ouro. Pedir para que ele não se manifeste com termos comuns, mas com quesitos apoiados na Ciência vai gerar um belo de um trabalho. Como o advogado inimigo é preguiçoso, ele não gosta de pesquisar e vai tomar o caminho mais cômodo.

    Justificativa

    Em teoria, maus comportamentos e xingamentos poderiam ser denunciados à Comissão de Ética da OAB. Já caí nessa besteira. Perdi tempo e gastei dinheiro para o advogado ser absolvido. E tenho amizade com um antigo conselheiro desta comissão, ele me garantiu que havia forte corporativismo e que as chances de sucesso eram pequenas, mesmo diante de casos evidentes na gravidade. Basicamente, ser xingado num processo é sem saída. Não há para quem recorrer, portanto, siga meu conselho e não embarque nessa furada.

    Resumo

    O perito faz o seu trabalho e assina o laudo. O lado prejudicado pelas conclusões geralmente é aquele que subestimou a causa, dispensou o assistente técnico, teve um advogado mal preparado e um cliente busca explicações para o péssimo desempenho.  Alguns advogados xingam muito o perito nos autos. Note que: 1) a parte que xinga não tem argumentos científicos por falta de assistente técnico; 2) na falta de argumentos para virar o jogo, pouco sobra, começam os xingamentos; 3) não responda, não se justifique, não entre na do advogado; 4) use o pensamento que aconselhei acima – favor apresentar quesitos com base na Ciência; 5) responder aos xingamentos é uma armadilha, raramente existe punição para um advogado que age dessa forma.

    O segredo da perícia é proteger a sua energia e principalmente a energia do juiz que o nomeou. Pense nisso e me responda daqui a cinco anos.

    São Paulo, 27 de outubro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] 334 nomeações para atuar em processos cíveis.

    [2] Péssimo hábito de advogados do passado, que para se promover, garantiam o resultado do processo e sua vitória.

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  • O fim do SUS e do Poder Judiciário. O contraste com os serviços imediatos no seu smartphone.

    André Eduardo Amaral Ribeiro, dentista e perito judicial em São Paulo.

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    Na visão de Diego Barreto[1]:

    Marcas do atraso: ao longo da história, os vícios do Estado capturaram e contaminaram os setores privados. O favorecimento, na lógica torta desse capitalismo sui generis, é uma vantagem nos negócios e sua manutenção passa por afastar qualquer competidor que não se paute por essas regras. Naturalmente que, nesse cenário, o oligopólio tenha sido a marca do progresso de industrialização do país, pontuado por medidas protecionistas – o que se converteu muitas vezes em álibi para práticas ultrapassadas e pouco competitivas no cenário internacional. A salada do fracasso, aqui, sempre foi temperada com ideologias nacionalistas, à esquerda ou à direita, mas quase sempre atreladas ao populismo.

    Essa visão do autor confronta a Velha Economia com a Nova Economia. A Velha significa o que vemos no cotidiano do Brasil – poucas empresas muito grandes e que não se preocupam com a concorrência – o chamado oligopólio. E o alto grau de intervenção do Estado na economia e no funcionamento dos negócios – legislações, regras, impostos, benefícios, fiscalização deficiente, multas.

    Vejamos os bancos. No cenário de vinte anos atrás, teríamos Banco do Brasil, Caixa Econômica, Itaú, Bradesco e Santander. Era um oligopólio, a pessoa não conseguia fugir dos cinco grandes. O serviço era feito em agências, com fila. E o Itaú era considerado um banco com forte digitalização[2]. Essa era a Velha Economia. O autor continua[3]:

    Foi nesse mindset coletivo, digamos assim, que a nossa Velha Economia foi construída, a mesma que colocou o Brasil nas últimas posições em abertura econômica, competividade e abertura econômica. (…) Na ponta oposta, o empreendedor da Nova Economia acumula riquezas, mas reverte grande parte ao desenvolvimento de novas ideias que estimulam ainda mais a tecnologia proprietária. Ela superou os desafios a partir de uma lógica privada, sem a necessidade de socorro do governo, e usa recursos obtidos em um projeto de sucesso para iniciar outras. Exemplos não faltam. Paulo Veras, cofundador do aplicativo de transportes 99, é um deles.

    Ele quer dizer sobre os táxis e transporte público. Os táxis tinham uma licença da Prefeitura para trabalhar, dizem que essa concessão é muito valiosa, mas eu nunca investiria em comprá-la. O valor da corrida tinha um obscuro taxímetro[4], a bandeira 1 e a bandeira 2, que ninguém entendia. Tanto faz, isso é passado. Havia também o transporte por ônibus. Em São Paulo, as empresas de ônibus reclamaram da redução do número de passageiros com a epidemia de COVID-19 e com a chegada do Uber e 99 no transporte por aplicativo.

    Os táxis e os ônibus mantiveram-se acomodados, supondo que sua licença para operar (táxis ou trajetos) era imortal, mas nunca usaram tecnologia. O taxímetro continuou igual, os bilhetes de ônibus só inovaram no cartão magnético. Por vinte anos. Alguns pensadores começaram a trabalhar na Holanda e criaram o Uber, que se espalhou com sucesso pelo mundo. A tecnologia da Uber é enorme e proprietária e você não consegue roubá-la, em tese. A recompensa foram milhões de dólares para o Uber. Isso até reduziu o desemprego, que o governo Lula insiste em dizer que criou empregos. O Lula criou empregos ou a Uber e Ifood criaram empregos? O Estado é incapaz de gerar tantos empregos.

    De qualquer forma, o Estado ficou ultrapassado. Os táxis ficaram parados, no modelo antigo. Observo isso, pois na esquina do meu prédio existe um telhadinho, que é um ponto de táxi. Veja o cúmulo: não tem banheiro, não tem água, é apenas um banco coberto e pessoas pagaram caro pela concessão do táxi. Hoje, isso não vale nada.

    Aponto duas vertentes estatais que vão sumir em vinte anos, talvez menos: SUS e Poder Judiciário. Quando a pessoa procura o fórum ou a unidade de saúde pública, ela precisa da solução do problema agora. Ela não precisa para daqui a dois meses ou para daqui a dois anos. Ela precisa de uma consulta médica imediata, mas existe uma fila, uma agenda e muitas desculpas – falta de pessoal, falta de insumos, falta de especialistas. Se a pessoa precisa de um serviço mais avançado, ela precisa se envolver com a Regulação – um sistema atrasado e que seria a remessa para setores mais complexos da saúde: hospitais, Oncologia, cirurgias, remédios de alto custo. O Estado considera normal a fila e a impossibilidade de se conseguir o tratamento nos próximos sete dias. Estou com dor agora, quero uma solução agora, não para daqui a dois meses. Todo esse sistema de marcação de consultas envolve recepcionistas, que tem o poder de controlar as agendas dos médicos. Se o recepcionista quiser, ele te conseguirá uma consulta para o dia seguinte. Esses recepcionistas poderiam ser dispensados e tudo ser substituído por um aplicativo de agendamento de consultas, como no serviço particular.

    Como as pessoas já estão acostumadas com soluções rápidas no seu smartphone, a questão surge – se eu estiver com fome, posso comprar imediatamente pelo aplicativo. Existe um aplicativo do Dr. Consulta que eu posso conseguir uma consulta com o médico ortopedista para amanhã. No serviço público, ela precisa do encaminhamento, da liberação pela regulação e pela espera de dois meses. A pessoa contrasta os serviços particulares rápidos com a ineficiência estatal. Aquilo vai moldando o pensamento, causa um grande contraste e a demora fica inaceitável.

    No poder Judiciário gera também temos o contraste. Eu preciso do despejo do meu inquilino hoje, não daqui a dois anos. No Judiciário, a demora é considerada normal, a solução imediata é incomum. A facilidade do smartphone surge novamente, por que esperar por uma solução incerta para o meu despejo? Portanto, prevejo a extinção do Judiciário. Isso já aconteceu com o Tribunal do Trabalho, que era exclusivo para tratar dos casos do contrato CLT. A CLT reduziu-se muito e o Tribunal se tornou ocioso frente a informalidade do trabalho, frente ao número de pessoas que trabalham na internet (You Tubers). Não há mais o que julgar. Isso vai acontecer com outros Judiciários. Acredito que somente a Justiça Criminal existirá em vinte anos. E até ela pode desaparecer.

    Todo o trabalho do fórum sobre um processo judicial pode ser informatizado. As intimações podem ser feitas por mensagem de WhatsApp, os textos podem ser simplificados e escritos por inteligência artificial. Os mandados e citações podem ser todos digitais. A audiência pode ser feita por vídeo. Até as provas estão mudadas: testemunhas não fazem mais sentido, pois quase tudo é filmado hoje em dia. Não faz sentido interrogar pessoas quando se tem um vídeo que ilustra tudo. A decisão da sentença talvez ainda continue por humanos. Caberá ao juiz revisar a lógica do processo (corrigir erros da IA) e decidir.

    Como estamos acostumados às nossas soluções imediatas por nosso smartphone, um contraste é criado com a lentidão natural do SUS e do Poder Judiciário, que não se modernizam, não usam IA ou tecnologia suficiente. Eles vão sumir ou reduzir a uma fração, como ocorreu com os Correios em 2025.

    São Paulo, 10 de outubro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] BARRETO, Diego. A Nova Economia, Editora Gente, 2021, São Paulo, p. 55.

    [2] Hoje temos o Nubank e dezenas de bancos que sequer possuem agência física.

    [3] BARRETO, Diego. A Nova Economia, Editora Gente, 2021, São Paulo, p. 65.

    [4] Falta de transparência.

  • Teses que não se sustentam num pedido de indenização. Pedidos impossíveis ao Judiciário.

    Teses que não se sustentam num pedido de indenização. Pedidos impossíveis ao Judiciário. Odontologia, Dentística. Procedimentos impossíveis de se verificar numa perícia.

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial[1] em São Paulo.

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    Provas com efeito

    As teses jurídicas devem ter elementos concretos e as radiografias são as melhores provas para isso. A crença popular sobre que o paciente não poderia iniciar outro tratamento ou modificar o cenário bucal é correta, em tese. No entanto, muitos casos exigem um tratamento imediato, pois atrapalha o trabalho do paciente – como exemplo, dentes anteriores perdidos. Ninguém ficará sem dentes da frente enquanto aguarda um exame pericial.

    Para realizar o novo tratamento, o postulante deve saber documentar corretamente. As provas possíveis, antes de iniciar novo tratamento são: modelos de gesso, cefalometria e suas fotografias padronizadas, radiografias panorâmicas, radiografias periapicais completas, tomografias. Eventualmente até fotografias com celular. O paciente deve levar quaisquer próteses defeituosas ou coroas à perícia.

    Já por outro lado, as provas que não prestam se efetivam para concretizar seu pedido: conversas de WhatsApp, orçamentos de outros dentistas e pareceres extrajudiciais – que na minha opinião são laudos encomendados. Pareceres extrajudiciais são resultados de propaganda enganosa. É uma farsa.

    1. Conversas de WhatsApp: o texto não permite entender o contexto no qual a conversa está sendo travada. Tudo piora quando existem áudio no papel, mas não existem o som ou a transcrição do áudio. De qualquer forma, é a prova mais comum e menos eficaz. Afirmo que 80% dos processos contêm conversas de WhatsApp que não servem para nada.
    2. Orçamentos de outros dentistas: isso chamo de processo de funilaria – você bate o carro, leva a três funileiros diferentes e manda a conta para o outro motorista. Na Odontologia, os três orçamentos raramente são idênticos nos procedimentos ou materiais – um dentista sugere quatro implantes, outro sugere cinco, um sugere zircônia, ou outro nada especifica. Não são equivalentes portanto. Não são comparáveis.
    3. Laudo ou parecer extrajudicial: fica contaminado, pois a pessoa paga para o dentista escrever, que vai dar razão para ela. Não valem nada no julgamento. Algumas pessoas já pagaram R$ 14.000,00 para um assistente técnico desonesto, no qual o parecer foi um zero à esquerda e reconhecido em um despacho judicial.

    Processos instruídos com os três elementos acima mostram: o advogado é inexperiente ou a parte não tem razão e insiste se aventurar na ação – não conseguiu provas – resta improvisar.

    Teses jurídicas sem efeito

    Na minha carreira como perito, lembro de dois casos que se destacaram por terem se apoiado em problemas irrelevantes. Não seria possível acolher um pedido de indenização com doenças ou falhas tão abstratas para uma juíza de direito.

    O primeiro argumentou não havia tripoidismo[2] nos contatos oclusais, depois de uma reabilitação moderada com coroas de porcelana nos dentes posteriores. A equipe da requerente juntou fotos intrabucais, com as marcas de papel carbono. Um dente para cada foto e montaram uma espécie de painel de congresso – a fotografia oclusal – com comentários e setas reclamando da falta de tripoidismo. Era a tese, que rebati com textos de livros bem antigos e clássicos como Shillingbourg[3]. Isso é impossível de se avaliar numa perícia, pois se batermos o carbono em dois dias seguidos, o resultado será diferente, dada as movimentações da mandíbula. E mesmo que não houvesse o tripoidismo, sabemos que ele é desejável e que muitas vezes é impossível, mas sempre desejável. O valor pedido da indenização eram R$ 80.000,00.

    O segundo foi parecido. A equipe da requerente pegou um exame periapical completo, localizou algumas imagens sob as restaurações de resina, disse que eram infiltrações e ingressaram com a ação. Setinhas coloridas apontavam pequenas áreas radiolúcidas, algumas nem mesmo apontavam, pois foi uma montagem péssima, feita no improviso. A partir dessas radiografias, lançaram o dado da sorte para tentar ganhar uma indenização. O valor da causa foi R$ 60.000,00. Fui nomeado perito e pedi igualmente um exame radiográfico periapical, com a exigência de ser feita em outra clínica. A comparação das imagens confrontou e acabou com o delírio.

    Para terminar, no começo de carreira, lá por 2015 ou 2016, vi um caso de prótese total, que teriam quer repetir o tratamento e entregar duas próteses. Um caso simples portanto. O valor da causa de indenização foi R$ 380.000,00.

    Quando leio os processos pela primeira vez, gosto de avaliar a tese. Na maioria das petições iniciais, a proporção é de sete para um – cada parágrafo com descrição de assuntos odontológicos comparada com sete parágrafos de texto jurídico ou jurisprudência. E já escrevi muitas petições para escritórios, na posição de assistente técnico. Escrevia cinco páginas, com radiografias e mandava ao escritório. O resultado era uma petição de trinta a quarenta páginas. Na minha visão, uma página invocando a lei do consumidor e três jurisprudências seriam suficientes e fortes.

    São Paulo 23 de outubro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Soma 334 nomeações em processo cíveis para apurar para os juízes.

    [2] Conceito que afirma que cada cúspide deve imprimir três pontos na fóssula oposta, comumente usada na disciplina de Anatomia Dental ou Escultura Dental, normalmente no segundo ano do curso de Odontologia.

    [3] Um livro sobre Prótese Fixa muito famoso.

  • Como a Máfia das Próteses funciona. Oligopólio. Cartel. Sistema autolimitado. Lei antitruste.

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial[1] em São Paulo.

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    Afinal, a Máfia das Próteses existe? Sim, mas ela foi prevista pela literatura de Economia há muitas décadas – conhecidos como os oligopólios. O conluio tende a se autodestruir. A definição de Sun Tzu foi perfeita: A suprema arte da guerra consiste em evitar a luta e deixar com que o inimigo se autodestrua. A Máfia das Próteses é um dos temas favoritos no meu trabalho, tudo porque o tema é questionável. Não existem muitas regras. Por isso é um terreno fértil para manipuladores, mas também para gente honesta e séria.

    O livro a Arte da Guerra é interpretado como um livro de economia. Nunca se trata de guerrear com o inimigo, mas de administrar seus recursos e fazer com que seu inimigo consuma os recursos deles. Se você lutar, consumirá seus recursos. O objetivo é o oposto – os recursos dos inimigos. Este é o primeiro conceito para entender o esquema de oligopólio.

    O segundo conceito foi tirado das definições da Economia[2]:

    As duas formas mais extremas que um setor pode seguir são a concorrência perfeita e a monopólio. Na concorrência perfeita teremos muitas empresas pequenas, mas competitivas entre si. Já no monopólio não teremos concorrência, pois haverá somente uma empresa. Um oligopólio é um setor no qual há apenas um pequeno grupo de empresas – duas, três. Um grupo diversificado de setores tem suas características – empresas de refrigerante ou empresas de petróleo. Por exemplo, Coca Cola e Pepsi dominam o mercado de refrigerantes, superando em muito os outros fabricantes de bebidas carbonatadas. De modo semelhante, apenas três ou quatro países produzem a maior parte do petróleo do mundo – Rússia, Irã, Arabia Saudita. Os setores oligopolistas são interessantes porque, dependendo das circunstâncias, as empresas podem competir brutalmente umas contra as outras ou se unir para comportar semelhantes a um monopólio.

    Portanto, não preciso dar nomes, mas já sabemos que as empresas de próteses customizadas não são muitas. Se quiserem existir, terão de assumir algum modo operacional dentro do sistema do oligopólio. Agir desse modo é criminoso ou é natural?

    A maioria entende que é criminoso, como o nome já usa a palavra Máfia. Quem não conhece, a palavra máfia vem do italiano: morte aos franceses, Itália avante. Era um termo que surgiu na antiga ilha da Córsega, berço de Napoleão Bonaparte. A ilha mudava de dono frequentemente, às vezes era dos franceses, outras dos italianos. Napoleão é considerado italiano em muitas regiões, outros dizem que ele era francês e outros dizem que ele era um corso. Outro trecho[3]:

    Comportamento de cartel, tentando imitar os monopólios – Quando a decisão de oferta de cada empresa não afeta apenas as suas vendas, mas a de seus concorrentes, economistas dizem que elas estão em uma situação estratégica, porque as empresas precisam decidir que tipo de estratégia escolher.

    Ao que parece, o que chamamos de Máfia já foi previsto na economia e talvez seja natural agir daquela forma. A venda de uma prótese customizada é apoiada em uma cirurgia e poucas cirurgias são particulares, então a figura da operadora de saúde participa. Depois, nenhuma cirurgia é feita sem um cirurgião. O que muitos consideram a corrupção é que o cirurgião não poderia ganhar com a prótese. Mas a questão é: você pagaria os honorários do cirurgião? Pois é. Ninguém que gastar. O paciente não quer gastar e deseja que alguém pague por ele. Para compor o esquema, que não sei se é tanto esquema assim, deve haver um cirurgião, uma operadora e uma ligação entre eles – um vendedor técnico ou um advogado. Todos precisam participar do esquema de oligopólios.

    Este livro[4] de Economia para leigos é ótimo. Tem muitas sacadas distantes do público que não lida com economia. No entender do autor, não existe nenhuma máfia, mas simplesmente uma forma de trabalho natural do sistema de oligopólio de poucas empresas de prótese customizada. Então, compreendi que o autor considerou natural agir dessa forma no mercado de oligopólios para as próteses customizadas. O que pode ser considerado criminoso por muitos é a prescrição de próteses não indicadas, daí concordo que realmente é criminoso. A indicação de próteses customizadas em Cirurgia Bucomaxilofacial é restrita. A prótese de maxila ou mandíbula é indica para repor ossos perdidos após a remoção de tumores ou em perdas traumáticas em acidentes. O que é bastante raro. Na minha carreira de perito, vi somente um caso de cirurgia em tratamento oncológico. Os outros casos eram indicações pré-protéticas.

    Então, o esquema deve funcionar assim: um cirurgião deve indicar próteses customizadas de mandíbula ou maxila para seus pacientes. A operadora de saúde deve negar, por causa do custo inicial por volta de R$ 300.000,00. Então, existe um intermediário – o vendedor, um advogado ou ambos agindo numa dupla. Aqui o esquema fica inviável, pois o advogado pede urgência para o procedimento. Sabemos que o procedimento não é urgente. Coisa nenhuma. O pedido de liminar é o erro do esquema. E aqui é o melhor ponto para quebrar o sistema – a partir do momento que a liminar é revogada e se inicia uma briga para custear uma cirurgia já feita. A operadora se recusa a pagar, o paciente não tem dinheiro e vai culpar seu advogado, que vai culpar os juízes. Nesses atritos, o sistema começa a se autodestruir. Digo, esse sistema das próteses não indicadas. Se fossem um pouco mais espertos, teriam percebido que estão imersos num sistema antigo – oligopólios.

    Quando todos participam do esquema, no menor sinal de esfriamento do mercado, todos os envolvidos começam a pensar que algum outro membro do esquema o está passado para trás. Se o cirurgião não entregar tantas cirurgias em um mês é porque ele encontrou outra empresa para o esquema. Se a operadora está recebendo poucos pedidos de cirurgia, é porque alguém criou outra rota e então, está passando a operadora para trás. Pela minha experiência, quando começam a desconfiar um dos outros, o sistema quebra. No livro de Economia[5]:

    Uma importante estratégia para regular oligopólios é o governo dividi-los em empresas menores que então concorrerão entre si. No século XIX, os cartéis eram chamados de trustes – por exemplo, o Truste do Açúcar, o Truste do Aço, o Truste das Ferrovias. Então, as leis desmembraram esses monopólios e cartéis eram chamadas de antitruste. A mais famosa foi a lei americana A Lei antitruste Sherman. Muitos países possuem leis similares para acabar com os monopólios e cartéis, inclusive o Brasil.

    Acho que a grande questão é pensar e definir – o que é máfia, o que é oligopólio e o que é corrupção?

    São Paulo, 28 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Soma 329 nomeações cíveis em tribunais estaduais.

    [2] FLYNN, Sean. Economia para leigos, Alta Books, 3ª edição, São Paulo, 2019, p.177-179.

    [3] FLYNN, Sean. Economia para leigos, Alta Books, 3ª edição, São Paulo, 2019.

    [4] FLYNN, Sean. Economia para leigos, Alta Books, 3ª edição, São Paulo, 2019, capítulo nove.

    [5] FLYNN, Sean. Economia para leigos, Alta Books, 3ª edição, São Paulo, 2019, p. 188.

  • Qualidades de um perito na Justiça

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial[1] em São Paulo.

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

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    O primeiro desacerto do trabalho pericial é a linguagem prolixa, petições no formato obsoleto do juridiquês e as petições longas. Nas manifestações, nunca ultrapasse três páginas, sem rebuscamento da linguagem. Evite cabeçalhos e símbolos, como se tentasse usar um papel timbrado. Salvo casos, o laudo deve conter vinte páginas no máximo. Já li um deles com cem páginas, sobre Prótese Total, era chatíssimo.

    Outro desacerto é a pobreza gramatical. A língua portuguesa deve ser escrita por orações na ordem direta. Evite as inversões de termos. Empregue sempre: sujeito, verbo e complementos[2]. Evite as frases em voz passiva, prefira “O advogado agravou a decisão”, ao invés de locuções verbais numa voz passiva “A decisão foi agravada pelos advogados”. Preste atenção na flexão de verbos e na concordância, que são erros feios e que incomodam o leitor, por parecer que o texto foi improvisado.

    Um guia ou dicionário de dificuldades da língua portuguesa e um dicionário de sinônimos são essenciais. O dicionário de dificuldades do Prof. Cegalla é prático e o dicionário Hoauiss de antônimos e sinônimos é fácil de se consultar.

    Aceite a gratuidade da Justiça. Processos com honorários de tabelas da Defensoria são ideais para o começo da carreira. Após seu nome for consolidada, lembre-se que sua missão é ajudar nas decisões dos juízes e por isso, continuo aceitando os casos da Defensoria, quando não me exigirem muita análise.

    Outro destaque são os peritos que aceitam casos raros e difíceis – já assinei laudos com morte, com pedidos de aposentadoria, com falsificações e com fraudes. A diferença na reputação se faz nestes casos, na coragem de enfrentar casos que parecem ser impossíveis de decidir.

    Por enquanto é muita informação.

    São Paulo, 25 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Soma 327 nomeações cíveis em tribunais estaduais.

    [2] As gramáticas do Prof. Celso Cunha, Evanildo Bechara ou Domingos Cegalla devem ser as nossas referências. Adote uma delas.

  • Parecer extrajudicial

    Caso pericial concreto: suposto erro na cirurgia ortognática

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito[1] judicial em São Paulo.

    andreamaralribeiro@hotmail.com

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    A pequena validade de um parecer extrajudicial numa demanda indenizatória na Odontologia. O esquema pouco engenhoso da Máfia das Próteses.

    De fato, raramente tem força probatória. Serve apenas para uma baliza entre duas ou mais teses das partes. De modo genérico num processo judicial, teríamos a tese do autor versus a tese da defesa. Uma das duas é verdadeira, se suposto que são argumentos opostos – uma afirma que o tratamento dentário foi malfeito, a outra nega que foi malfeita.

    Infelizmente, alguns advogados creem nessa lenda do parecer extrajudicial e até mesmo se dispõem a convencer seu cliente a pagar por isso. Muitos daqueles que assinam esses laudos, por serem inexperientes, acreditam que seu parecer realmente vale alguma coisa.

    O caso que desejo comentar foi exatamente assim – uma senhora do interior de SP me telefonou para contratar o serviço de assinar um parecer (favorável a ela). Expliquei que era uma ideia errônea e uma lenda na qual as pessoas acreditavam. Ela hesitou e resolveu pagar pela minha consultoria, na forma de assistência técnica. A advogada dela insistia que o parecer deveria compor sua petição inicial. Após muita discussão, ela encontrou uma dentista em São José dos Campos, que escreveria o parecer por R$ 14.000,00. A senhora pagou e me dispensou, resolveu seguir com a tal da parecerista, uma suposta professora da Unesp Campus São José.

    O processo correu e ela perdeu. Agora, na fase de apelação, ela me ligou para recontratar meus serviços, pois devolvi o dinheiro para ela. Neguei o serviço, pois na fase recursal, pouco pode ser feito por um cliente. Obviamente, antes de aceitar a consultoria, a viabilidade da ação indenizatória deve ser avaliada com realismo.

    Mesmo que a pessoa deseje usar um parecer extrajudicial, existe uma barreira: o parecerista não terá acesso aos documentos do prontuário. O dentista pode se negar a entregar alguma coisa em seu poder sob alegação de que apresentará somente em Juízo. Outra opção seria a perícia extrajudicial, que não tem força para fazer com que a parte contrária compareça. E a legislação até prevê o parecer extrajudicial ou a perícia extrajudicial, sem citar as dificuldades práticas para reunir as pessoas, obter os documentos em poder do dentista. Já tentei realizar perícias extrajudiciais e os advogados faziam tudo para dificultar ou impossibilitar. Portanto, não é uma opção viável na prática.

    Os advogados que sugerem esses pareceres não são maus advogados, mas não tem a experiência nas causas da saúde. Bons escritórios não ingressam com pedidos indenizatórios sem um assistente técnico. As despesas tornam a causa impossível, pois o autor terá que pagar: (1) honorários do advogado; (2) honorários do assistente técnico; (3) honorários do perito, se o valor for decidido pela Art. 95 do NCPC, o chamado rateio. Um leigo fica desconfiado de tantos honorários, por isso, nunca dá certo.

    A tese jurídica fica pela metade sem as ideias de um assistente técnico, e um texto fraco, cheio de jurisprudência  e com nenhuma base científica. O que mais se repete é o ingresso com um pedido de cirurgia urgente, com exagero no diagnóstico para tentar uma cirurgia de urgência em Cirurgia Bucomaxilofacial. A peça da moda hoje é a prótese customizada, com custo de R$ 300.000,00. A ironia fica no fato de que o paciente não faria essa técnica se estivesse pagando por ela. Só aceita porque foi induzido por profissionais.

    O esquema é assim: um cirurgião bucomaxilofacial ligado ao fabricante de próteses recruta outros cirurgiões para prescrever próteses customizadas e pedir urgência em todos os casos. A documentação é resumida, sempre se apoiando no princípio e jurisprudência de que o médico/cirurgião assistente tem conhecimento total da doença do seu paciente. Se tivesse esse conhecimento, o mínimo que se esperaria seria um prontuário, com a anotação de cada consulta de tratamento ambulatorial. Esse documento raramente é apresentado. O equívoco é pensar que apenas o pedido de cirurgia é suficiente.

    Depois, o pedido de urgência é maquiado com os mesmos argumentos: o paciente sofre de refluxo gastroesofágico, apneia do sono e a morte é iminente. Se a liminar for concedida e a perícia entender que o tratamento foi superestimado ou um supertratamento, o paciente não merecia a cirurgia. A cobrança será feita.

    Esse cirurgião parceiro do fabricante da prótese nunca recebe dinheiro como honorários, pois está patrocinado pelo fabricante. O advogado supostamente só trabalha com esse tipo de causa. Também cuida da multiplicação dos processos. Os processos nunca contêm cotações de preço e somam mais de R$ 400.000,00. Com esse esquema, múltiplos casos que poderiam ser resolvidos com próteses comuns, mas que querem a prótese customizada porque “não vão pagar, pois o plano de saúde cobre a cirurgia”.

    O esquema todo falha quando um cliente é operado por liminar e depois a perícia atesta que era um supertratamento. Ao receber a cobrança da cirurgia, o paciente vai tirar satisfações com o advogado. Depois de uns três casos perdidos, o advogado não tem mais sossego – as pessoas estão atrás dele e cobram justificativas para aquele plano perfeito.

    O esquema cai, o advogado fica queimado e sua carreira acaba. É simples assim.

    São Paulo, 19 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Soma 327 nomeações em perícias cíveis.

  • Erros grosseiros na petição inicial, indenizações em Odontologia. Consentimento do uso de seus orçamentos num processo judicial.

    Erros grosseiros na petição inicial, indenizações em Odontologia. Consentimento do uso de seus orçamentos num processo judicial.

    André Eduardo Amaral Ribeiro[1]

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos

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    UMA CRÍTICA AOS TRABALHOS AMADORES DOS ADVOGADOS

    Calculei que 26% das petições iniciais se fundamentam para instruir uma ação indenizatória relacionada com a Odontologia. E 74% são insuficientes em apontar o suposto erro da equipe odontológica, com erros grosseiros. O advogado redator não saberia explicar o que foi feito de errado no tratamento e não criou nenhuma tese.

    O argumento básico é uma gambiarra: (1) houve um erro, sem saber explicar para um juiz de direito qual foi esse erro; (2) transferir a avaliação desse erro para orçamentos feitos por outros dentistas, sem o consentimento deles; (3) usar esses orçamentos no processo, sem o consentimento daqueles dentistas quem o assinaram; (4) não conhecer o trâmite clássico de uma ação indenizatória, obrigatoriamente numa vara cível. Veremos cada item.

    O ERRO EM SI, A GAMBIARRA. DENTISTA NÃO CONSENTIU O USO DE SEU ORÇAMENTO.

    Ingressar com a ação sem saber enumerar[2] quais erros foram feitos durante o tratamento dentário é um fracasso argumentativo sem solução.

    Isso acontece porque o advogado não sabe qual foi a finalidade do tratamento dentário. Numa regra simplificada seria dizer que é a reabilitação da dentição e da boca. Mas isso não basta. O perito pode lhe responder com dezenas de argumentos contrariando sua tese. Chamaremos de Escritório L como modelo de exemplo e evitar citar nomes. Precisamos compreender que o Escritório L não gosta muito de escrever e tem dificuldades em argumentar, ou seja, sua dificuldade é a Língua Portuguesa[3].

    Escritório L não está consciente de que suas petições são péssimas, pelo contrário, acha-se muito criativo em suas teses, afinal ninguém as usa. A narrativa de um tratamento está cheia de nomes errados, com analogias contrárias à Ciência, com apoio em provas duvidosas e muita jurisprudência. Portanto, é um trabalho pobre e amador. A petição não consegue enumerar[4] o que está errado e não narra o que deveria ser o correto. A petição não conhece conceitos importantes: sobre oclusão dentária, sobre recuperação de dimensão vertical, sobre as etapas daquele tratamento, sobre o tempo necessário para clinicar com um pouco de Ciência para concluir um tratamento.

    A pior ideia é a falta de identificação dos erros, que então obriga a juntar três orçamentos, pois acredita que será útil, para depois concluir com um pedido genérico de indenização. É o comodismo na petição inicial – tão somente invocar a lei do consumidor e usar “tática da funilaria” com a juntada de três orçamentos. Juntar três orçamentos me lembra acidentes de trânsito com carros sem seguro de danos. Uma das partes procura um orçamento menor, dentre os três, e apresenta com a esperança de que o proprietário do outro carro pague. O problema é que esses três orçamentos raramente são coerentes, eis que cada um deles propôs um tratamento diferente. Então são três tratamentos distintos. Um deles propõe seis implantes, o outro propõe quatro implantes. Um propõe enxertos ósseos, outro propõe enxertos em locais diferentes e o terceiro opta por uma prótese mucossuportada sem o emprego de nenhum implante[5]. Para o advogado leigo, essa gambiarra parece suficiente. Aqui chamo de transferência de responsabilidade: os três dentistas que calcularam seus honorários não gostariam de saber que aquela consulta tinha segundas intenções[6], que perdeu tempo com um paciente que não estava interessado em iniciar nenhum tratamento e pior, não desejará saber que seu documento, com seu nome e seu carimbo será usado em um processo judicial, sem seu conhecimento por causa de um advogado inexperiente.

    Lembro de um caso interessante no fórum de Santana. O advogado trabalhava dessa forma – orientava seus clientes a conseguirem os três orçamentos. No entanto, a dentista foi muito atenciosa e propôs um tratamento coerente. Por isso, o advogado considerou que esse único orçamento seria suficiente para instruir a petição inicial. Ingressou com a ação.  Por algum acaso, o juiz determinou a expedição de um ofício para a entrega de cópia do prontuário da dentista atenciosa. Ao conhecer o uso de seu orçamento em uma ação judicial sem seu consentimento, a dentista se zangou e protestou. Respondeu com uma carta fundamentada, bem redigida e na qual se queixava falta de consentimento. Entregou a cópia do seu prontuário e se conformou por escrito, contra o abuso por escrito com o Juiz presidente da causa. Sua tese era de que seu documento estava sendo usado com fim distinto para o qual se destinava, sem consentimento.

    Fui nomeado como perito nesta demanda e ao ler a contestação, resolvia chamá-la de Escritório L – um escritório que desgastou a técnica e segue perdendo quase todas as causas. O tratamento objeto da reclamação e o único orçamento apresentado não eram iguais, não eram semelhantes. Eram propostas distintas, uma opção por tratamento com prótese total frente a uma reclamação contra implantes. Os valores eram incompatíveis: R$ 30.000,00 contra R$ 5.000,00. A própria dentista que assinou o tratamento pediu para que seu orçamento não fosse considerado naquele processo, pois ela não tinha consentido o uso de seu documento para aquela finalidade – o documento era apenas uma previsão de tratamentos.

    Nesse ponto, desistir da ação seria o bom senso. Mas o advogado insistiu, embora sua cliente já tivesse no meio do tratamento com a dentista atenciosa . O processo correu, a perícia foi determinada, estudei os autos e já pressenti o fracasso da indenização.

    Na perícia, a autora apresentou-se com sua boca reabilitada, com uma prótese superior de ótima qualidade, a dimensão vertical estava recuperada. O objeto da perícia-  os implantes – foram removidos. Assinei isso – alteração do cenário bucal, falta de documentação. Isso que chamo de transferência de responsabilidade. No seu cotidiano, você recebe um paciente que mente, diz que irá começar um tratamento, mas que está colhendo opiniões. O dentista assina sua previsão de custos, é traído pelo paciente que desejava apenas o “papel para colocar no processo, como o advogado pediu”. Obviamente, ele ficará muito bravo com a situação, gastou sem tempo, assinou um documento que será comodamente usado em processo judicial, sem seu consentimento. Perceba o amadorismo do advogado, a falha na tese, a falha no procedimento de obtenção de provas. Nada está correto nessa situação.

    Ingressar com uma ação num Juizado Especial Cível reforça o amadorismo. O despacho de que a causa exige perícia e que o rito sumaríssimo do Juizado não permite esta prova é a resposta invariável. A ação será extinta, com a indicação de que seja proposta na vara cível. Não é possível confiar em um advogado com essas técnicas. O advogado do Escritório L acabará no Uber, com diz um engenheiro que conheço. Quando encontra outro engenheiro perdido, diz para cancelar o CREA a vai ganhar a vida no Uber. Nada contra a profissão do Uber, mas esse pensamento é ilustrativo. A irresponsabilidade e amadorismo do Escritório L prejudica seu cliente, prejudica a reputação do advogado, mostra sua dificuldade na redação e se conclui que ele não é capaz de se manter na advocacia.

    Por último, o advogado não sabe explicar para outro advogado o que estaria errado naquele tratamento dentário. Garanto que esses conceitos são bastante complexos se você não cursou Odontologia. Essa receita de bolo: três orçamentos, erro genérico e uso de documentos sem o consentimento não terão efeito para a vitória.

    Mude sua abordagem se você for um advogado trabalhando com essa tática pobre, sem fundamento e sem futuro. Empenhe-se em trazer a Ciência para o seu processo.

    A QUESTÃO EM CIRURGIAS HOSPITALARES

    O escritório L também atua em pedidos de tutela em cirurgias ortognáticas, artroplastia de ATMs, prescrição de próteses customizadas. Aqui, a fundamentação é ainda menor. O advogado pede ao cirurgião para que escreva um relatório para embasar seu pedido de tutela. Argumenta genericamente – o cirurgião é aquele que conhece a doença de seu paciente, então, nenhuma objeção pode confrontá-los. O escritório L perde todas as causas que patrocina. Como já se percebeu, o escritório L faz tudo errado, sempre motivado pela lei do mínimo esforço.

    PROPOSTA

    Sempre que atender alguma paciente que deseja apenas o orçamento, não há problema em entregá-lo. Sugiro que escreva algo como – Não consentimos o uso deste documento para uso em processos judiciais. Ou também – Não autorizo o uso deste documento para processos judiciais. É simples, suficiente e evitará problemas futuros.

    CONCLUSÃO

    É impossível propor uma ação indenizatória sem consultar um assistente técnico na Odontologia. Sem a avaliação da viabilidade da causa, sem o levantamento da suficiência das provas, sem a advertência de que a perícia será necessária, de que o Juizado Especial Cível não é o caminho correto e que juntar três orçamentos raramente funcionará como prova, em destaque para usar um documento de terceiro sem consentimento. Portanto, abandone a ideia da gambiarra advocatícia.

    São Paulo, 22 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Cirurgião-dentista em São Paulo. Atuante na perícia judicial cível desde 2014. Soma 327 nomeações nas varas cíveis como perito do juízo.

    [2] Fundamentação com um pouco de Ciência.

    [3] GIDI, Antônio. Redação jurídica, estilo profissional. Editora Podivm, Salvador, 2025.

    [4] Erros com fundamentos na Ciência: falta de dimensão vertical, oclusão insuficiente, doença periodontal em avanço, falta de tratamentos em Dentística, erro no diagnóstico, prontuário insuficiente, tratamento contraindicado e muitos outros exemplos naturais na Odontologia.

    [5] Todas as três propostas são corretas pela Ciência odontológica.

    [6] A susposta consulta visa obter um orçamento, o mais caro possível, mas o dentista não sabe disso e assina um documento de previsão de custos. Consentir que o paciente use esse documento num processo digital.

  • Conflito entre operadoras de saúde e cirurgiões bucomaxilofaciais. Alguns conselhos

    Por André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião dentista e perito judicial em São Paulo

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    Lembro-me de uma frase que ouvi em 1991. Na época estudava no primeiro ano do ensino médio, no Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Às segundas-feiras após o almoço tínhamos o laboratório de redação. A professora se chamava Donay. O exercício era escrever uma redação a favor e outra redação contra alguns dos temas na lousa. Um deles era a pena de morte. Deveríamos argumentar e escrever uma dissertação a favor da pena de morte e escrever outra contra a pena de morte. Na época não pareceu difícil, acho que escrevia muito mal em 1991. Mas essa ideia está comigo até hoje.

    Posso escrever contra um plano de saúde, mas posso escrever a favor dele. Posso escrever contra a junta[1] odontológica e posso escrever a favor delas. Pela minha experiência, existem quatro lados sobre os quais posso aconselhar: as operadoras de saúde, os cirurgiões bucomaxilofacial, os juízes de direito e os advogados. Será como aquela minha redação de 1991, argumentarei contra algumas práticas e a favor de outras.

    Como aprendi?

    Fui apresentado à perícia judicial em 2014, no Fórum de Santana, São Paulo. Uma juíza me nomeou para um processo cível. Na época era físico – eram duas pastas verdes com 300 páginas. Meu laudo foi tão ruim que foi anulado. Meu segundo laudo foi em Itu e o terceiro no Fórum do Ipiranga, em São Paulo. Aperfeiçoei minha redação e a perícia judicial se tornou recorrente com pelo menos uma nomeação por mês. Hoje recebo quatro ou cinco nomeações por mês. Isso me somou 327 nomeações entre 2014 e setembro de 2025. Portanto tomei a liberdade de escrever sobre o assunto. Tive uma briga com um advogado (nos autos). Ele não tinha educação e escrevia com tom irônico. Isso me fortaleceu. Estou fingindo que escrevo para esse advogado, pois ele criticou meu método de trabalho. Obviamente, ele não sabe nada sobre mim.

    Meu método de trabalho inclui checklists, que não divulgo. Cada tema deve passar por conferência das checklists. Muitos concorrentes querem essas cobiçadas checklists e já adianto que cobro por elas no meu treinamento. São a base do trabalho pericial caprichado. Como um advogado que nunca me viu na vida pode criticar meu método? Impossível. Quando

    Pablo Picasso começou a ter seus quadros copiados por outros pintores, especialmente na fase cubista, Picasso entendeu que tinha alcançado o sucesso absoluto. Ele avaliava seus métodos de divulgação como eu li: Ninguém administrou melhor sua imagem do que Pablo Picasso[2].

    Pablo Picasso disse certa vez, “O melhor cálculo é a ausência de cálculo. Quando você alcança um certo grau de reconhecimento, os outros em geral imaginam que se você faz alguma coisa, deve ser por um motivo inteligente. Portanto, é tolice planejar com muito cuidado e antecedência os seus movimentos. É melhor agir caprichosamente”. Durante uns tempos, Picasso trabalhou com o marchand Paul Rosenberg. Deixava-o livre para vender seus quadros, mas um dia, sem nenhum motivo aparente, ele disse ao sujeito que não lhe daria mais nenhuma obra para vender. Segundo Picasso, “Rosenberg ficou quarenta e oito horas tentando imaginar por quê. Eu estaria reservando peças para um outro marchand? Eu continuava trabalhando e dormindo, e Rosenberg imaginando. Dois dias depois ele voltou, nervoso, ansioso, dizendo, ‘Afinal de contas, caro amigo, você não me abandonaria se eu lhe oferecesse tudo isso, dizendo uma quantia substancialmente maior, por esses quadros em vez do preço que estou acostumado a pagar, não é mesmo?”’

    Como não temos a habilidade de Picasso, teremos que escrever com planejamento. As quatro categorias estão a seguir.

    CIRURGIÕES BUCOMAXILOFACIAIS

    Os pedidos de cirurgia hospitalar da maioria deles é insuficiente. O caso se resume em duas ou três páginas – um histórico do paciente, um pedido de urgência e uma lista de OPME.

    Suponhamos que o pedido será feito no aplicativo da operadora e que todas as comunicações serão por e-mail. Escrever para a auditora da operadora será obrigatório para defender seu pedido de OPME. Chamarei de auditor individual e desempatador (a terceira opinião).

    O primeiro erro é mentir sobre a urgência da cirurgia. Cirurgias ortognáticas são eletivas. Se a cirurgia for na ATM, o paciente tem dor e a dor pode ser controlada facilmente. Mesmo que seja com a prescrição de nimesulida e paracetamol. Portanto, nunca simule uma urgência. Não minta. Isso já irrita qualquer leitor – um texto que sabemos ser exagerado para conseguir a autorização da cirurgia.

    Sugiro que seja autêntico no texto. Um texto para cada paciente. Não reaproveite papéis ou documentos do Word escritos para outro paciente. Envie à operadora tudo – cópias dos exames de imagem (radiografias e tomografias) ou pelo mesmo indique o link. Seu paciente deve ter sido indicado por algum ortodontista para a cirurgia ortognática. Se você é proprietário de um consultório, provavelmente realiza anamnese, emite termos de consentimento, propõe os honorários. Portanto, envie a anamnese e o termos de consentimento à auditora do plano.

    As normas da ANS permitem a perícia ou avaliação à distância. Por isso, seu pedido deve ser claro: sempre peça uma perícia presencial de seu paciente ou, no mínimo, a avaliação do paciente por vídeo conferência. A frase é simples e parece que estamos pedindo uma simples radiografia. Portanto, escreva – Peço a gentileza de que o auditor avalie meu paciente presencialmente ou por vídeo. Acredito que as operadoras vão aperfeiçoar seus métodos nos próximos anos.

    Quanto ao OPME, a situação é crítica. Isso vai de sua ética e honestidade com o material. Peça o necessário e não tente pedir procedimentos ambulatoriais para serem realizados em hospital – enxertos para cirurgia pré-protética. Não abuse das próteses customizadas – a indicação delas são para substituir ossos danificados ou perdidos, após traumas na face e avulsão de tumores. O tumor mais comum é o ameloblastoma. Em onze anos de experiência, vi apenas um caso de Oncologia. Esse processo foi julgado em duas semanas depois que tarjei como urgente (oncologia). Escrevi isso porque posso. Já me respeitam entre os juízes, portanto, tenho certas liberdades que os novatos ainda não conseguiram.

    Quando a operadora notificar sobre a negativa, participe da escolha da junta, ou do desempatador. Seu documento será revisado e deve conter o que escrevi nos parágrafos acima- novamente, peça o exame presencial do seu paciente para que o desempatador faça isso. No caso dos desempatadores, vejo sempre os mesmos nomes e a maioria mora nos estados do Nordeste. Escolha um em São Paulo e escreva que seu paciente deve ser avaliado por vídeo, no mínimo.

    Caso seu pedido tenha sido negado, você instruiu corretamente seu pedido. Se ele for judicializado, as provas já estão lá – anamnese, consentimento, exames de imagem. Faça sua parte.

    Destaco que o termo de consentimento do hospital não é o termo de consentimento da sua cirurgia. O termo do hospital fala de tombos do paciente, de custos extras, do preço da sala cirúrgica. O termo que o bucomaxilofacial redige contém os riscos sobre parestesia, infecção. Não se esqueça de falar da posição do nariz e que ela pode mudar após a cirurgia ortognática. Informe tudo e deixe cinco linhas no fim do seu termo de consentimento.

    Aprenda isso: o termo de consentimento é dinâmico. A prática me mostrou que nenhum cirurgião trabalha assim. Por isso indico cinco linhas disponíveis para anotar mudanças. Se não houver nenhuma, escreva “esclareci todas as minhas dúvidas sobre esta cirurgia” e faça o paciente assinar. Os cirurgiões não fazer ideia da importância do termo de consentimento para os juristas. Eles consideram muito e sentem muito quando não existe nenhum termo de consentimento. Muitos pacientes aceitam o termo de consentimento do hospital ou da anestesia como um termo da sua cirurgia ortognática.

    Se o paciente chegou até o bucomaxilo, alguém o indicou. Portanto, a primeira consulta deve abrir um prontuário – data, queixa principal, histórico. A análise cefalométrica é uma boa opção. Se paciente sofrer dor, escreva sobre a analgesia que planejou: no mínimo paracetamol ou nimesulida. Não dar suporte analgésica é má-prática. Se seu pedido for judicializado, lembre-se que ele será avaliado por um perito e os peritos gostam de serem bem instruídos com prontuário, anamnese, radiografias, tomografias, comorbidades e principalmente com um histórico do paciente. Duas perícias vieram com uma boa instrução[3], as outras 59 tinham apenas um pedido de OPME, um curto histórico e às vezes uma imagem, que o próprio paciente resolvia trazer por conta própria, pois seu advogado e seu cirurgião nada disseram.

    Os honorários devem ser especificados: o cirurgião é credenciado ou o pagamento será particular. Isso gera muita confusão. Jamais deixa para receber depois da cirurgia, quando o reembolso vier. Não caia em conversas de pessoas que não conhecem profundamente o assunto. Confie em mim.

    Pedido liminar são uma questão séria. Após a cirurgia feita, o paciente corre o risco de ter de pagar ao plano de saúde no futuro. Essa é outra história, já escrevi sobre isso no meu Linkedin.

    Jamais exerça a cirurgia sem um seguro de responsabilidade civil, pode ser o da APCD que é ótimo. Já escrevi sobre seguro em meu livro[4] e no meu Linkedin. Outra informação importante é que cirurgiões plásticos e médicos otorrinos estão fazendo cirurgia ortognáticas e eles tomam bastante cuidado com documentação e prontuário.

    Entenda o caminho nesta ordem: seu pedido, avaliação pelo auditor individual, avaliação pelo desempatador, reclamação na justiça, petição com possível pedido de limiar, despacho do juiz de direito, nomeação de perito, laudo e sentença. Portanto, seu pedido vai rodar pelo mundo, faça-o bem redigido e ilustrado com provas de imagem.

    Na perícia, avaliarei tudo isso. Falo por mim, não posso colocar a mão no fogo por outros peritos.

    AUDITORES

    Os métodos de auditoria estão muito pobres. Podem melhorar sem gastar dinheiro da empresa.

    O primeiro conselho é começar a avaliar os pacientes presencialmente ou pelo menos por vídeo. Sugiro que o auditor enumere todos os exames que recebeu. A enumeração deve ser assim: radiografia panorâmica datada em 12 de agosto de 2024; tomografia de maxila datada em 3 de fevereiro de 2023, assim por diante. Seu laudo de auditoria precisa exigir imagens sempre.

    Evite também formulários já escritos e colocados em todas as negativas de sua empresa. Diversos deles apresentam dados provenientes de outras cirurgias, como cirurgias de coluna vertebral e cirurgias de estômago. Quando notamos isso, concluímos que auditor não leu o que assinou. Isso é má-prática.

    Negativas-padrão são malvistas. Personalize sua auditoria, pense que é possível fazer uma carreira na operadora. Digo isso porque elas estão na bolsa de valores. As ações delas sobem e descem. Algumas estão se tornando gigantes e acredito que seria interessante ser contratado por uma delas. Antes disso, o auditor precisa mostrar qualidade no seu trabalho. Ou talvez eu pegue seu lugar, pois já neguei propostas de trabalho em operadoras e seguradoras.

    Os juízes lerão as considerações dos auditores e desempatadores e decidem de modo preliminar. Se o auditor veste a camisa do operadora, seu texto e suas justificativas precisam melhorar e não podem ser Control C e Control V.

    Acredito que o trabalho de auditoria ainda vai crescer e criar seus próprios métodos e só pararão quando atingirem a perfeição, o que eu gostaria que acontecesse na minha visão de perito.

    JUÍZES DE DIRETO

    Uma frase que ouvi uma vez ilustra bem a carreira dos juízes: juiz gosta de papel. Agora, seria mudado para telas. Normalmente, os juízes leem quatro mil páginas por dia. Poucas delas chamam a atenção por sua redação. São redações originais com um português perfeito. O que incomoda é o juridiquês, uma linguagem que está perdendo espaço.

    De qualquer forma, juízes trabalham lendo e enxergam as coisas com uma visão própria. Não acredita na frase cabeça de juiz não sabe o que pode vir. Na fase pericial, os despachos são previsíveis. As questões de Odontologia são difíceis de julgar. As fotos são consideradas nojentas e muitas juízas não gostam nem de olhar. Posso dizer isso agora, depois de onze anos muito concentrado na perícia judicial e após muitas visitas aos gabinetes.

    Julgar o processo no estado em que se encontra ocorre poucas vezes. Quando ocorre, existe uma boa chance de a instância superior determinar a perícia. Já vivi isso dezenas de vezes.

    O que posso dizer sobre os juízes é que algumas causas são difíceis até para os peritos, dada a falta de documentação nos autos. Tudo é muito pobre e digo aos juízes que permitam sempre que seus peritos solicitem provas. Outro problema é a omissão voluntária do prontuário. A saída é um ofício determinando a entrega, via oficial de Justiça. Considero a omissão injustificável hoje em dia. Para o dentista, basta fotografar as páginas e enviar para o WhatsApp. Isso se o prontuário não for digital, que já temos 40% dessa forma, pelos meus cálculos.

    Creio que os processos cíveis da Odontologia não acrescentam muito à carreira do magistrado, são muito específicos, dependem de perícia, o texto é raro. Então, é no acredito.

    O que mais digo para mais juízes? A má-fé é rara em processos de Odontologia, na maioria deles o paciente tem razão. O obstáculo é a pobreza de documentação. Fiz uma perícia uma vez em que a única prova era uma fotografia padronizada do exame cefalométrico. O paciente usou essa foto para ilustrar uma coroa anterior com a cor inaceitável. As provas confiáveis são as radiografias e tomografias. Processos com estas provas são interessantes. Condenações com danos estéticos são raras, mas acho que é um tema que pode ser revisto e as sentenças mais generosas com isso.

    ADVOGADOS

    Penso que advogados tem tanto espaço para apresentarem suas ideias, portanto, penso que são uma classe privilegiada. Gostaria muito de ter um trabalho no qual tivesse que redigir o dia todo. O advogado tem muito espaço para inovar.

    O melhor que posso aconselhar: não promova causas da Odontologia sem um assistente técnico. Já trabalhei como assistente técnico, então sei das dificuldades, inseguranças e ansiedades em aceitar uma causa cível da Odontologia e não saber por onde começar

    Adianto que as duas teses mais usadas estão desgastadas: (1) abandono de tratamento; (2) obrigação de meio. O abandono é muito difícil de comprovar.

    A obrigação de meio não teve força na jurisprudência. Aconselho a pensar na Odontologia com o mesmo dever que a cirurgia plástica ou procedimentos dermatológicas – o resultado deve ser atingido. Argumentos sobre a resposta do organismo do paciente ao tratamento são ainda mais fracos. Veja que é uma frase genérica- quais respostas estamos falando? Imunológicas, cicatrização e remodelação do osso.

    Por acaso, o tema cicatrização é o que permite mais teses. E existem muito livros especializados de Odontologia que são detalhados para explicar a cicatrização. Essa ideia acaba com a generalização da frase acima, que considero vazia. Pense na questão: quanto o advogado sabe sobre cicatrização? Eu já mencionei a cicatrização em minhas teses? Nisso acredito que podemos usar para os dois lados – obrigação de meio e obrigação de fim. Aprenda sobre cicatrização de feridas cirúrgias.

    Os processos indenizatórios sobre infecções são ilustrados com simplicidade. Escrever sobre infecção relacionadas na assistência à Saúde permitem ótimas teses. A antiga infecção hospitalar hoje é chamada de IRAS, com milhares de estudos disponíveis. Quando trabalho como assistente técnico procuro fugir do comum e atacar na cicatrização e na infecção. Portanto, consigo boas teses de ataque ou defesa com esses dois assuntos. Embora não goste de trabalhar como assistente técnico, às vezes sou obrigado, quando o requerido é um amigo ou um colega de faculdade.

    Entre as críticas que tenho aos advogados falo de escrever com agressividade na fase de impugnação do laudo. Impugnar um laudo é um trabalho muito difícil, com pouco espaço de manobra. Se o laudo foi contrário a parte que defende, melhor aceitar. Se desejar combater, combata com educação. Já recebi xingamentos absurdos de advogados. Isso não me irrita mais como no passado. Mas o que melhor posso aconselhar para os advogados é ser educado nos autos.

    E as notícias correm sobre os escritórios, sobre as gafes e derrotas nos Tribunais. Escuto muito isso de outros assistentes técnicos, especialmente os assistentes das operadoras de saúde. Normalmente, encontramos os mesmos assistentes em todas as perícias. Obviamente, conversamos sobre assuntos extraprocessuais e as gafes dos advogados se espalham. Isso não ocorre por WhatsApp, pois é um costume muito antigo. Então, mantenha a sua reputação e leia As 48 leis do poder, de Robert Greene. Este livro explica que a reputação é essencial. Se um advogado tiver má-reputação, sua clientela se reduzirá.

    Então concluo que o advogado deve ser educado nos autos quando se dirige ao perito. Depois de escrito, fica impossível corrigir. E nisto, os advogados falham. Basta educação nas petições, nada mais

    São Paulo, 23 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Já publiquei textos no Linkedin sobre o tema das juntas.

    [2] GREENE, Robert. Maestria, Ed. Rocco, São Paulo, 2015.

    [3] Instruir aqui significa apresentar provas técnicas.

    [4] Meu livro está disponível no site da Amazon: AMARAL, André. Introdução à perícia judicial em Odontologia, e-book, 2025.

  • Como eu trato a dor pós-operatória – artigo de opinião

    André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial em São Paulo.

    Palavras-chave: #apolice #responsabilidade #civel #odontologia #periciajudicial #perito #codigodedefesa #consumidor #endodontia #implantes #ortodontia #seguro #profissional #laudopericial #assistenciatecnica #enriquecimento #ilicito#acidentes #sequelas #fatalidades #adversos


    Como eu trato a dor pós-operatória na Odontologia

    A previsão de um controle efetivo da dor e um dos aspectos mais importantes do cuidado dentário. De fato, os pacientes avaliam um dentista “que não causa dor” e um dentista que possa “dar injeções sem dor” como satisfazendo o segundo e o primeiro dentre os critérios mais importantes utilizados na avaliação de dentistas.

    MALAMED, Manual de Anestesia Local, 5ª edição, Mosby, São Paulo, p. 225.

    Melhor do que ninguém sei que a dor pós-operatória é uma das maiores causas de judicialização. Os pacientes associam a dor à má-prática, então, se o paciente recebe um tratamento com alguns implantes e sofre dor considerável, ele entende que houve erro no procedimento e pode planejar ingressar com uma ação indenizatória contra o dentista. A literatura analisa a falta de preocupação do dentista com relação ao controle dela. Na literatura[1]:

    Tratamento da dor pós-operatória – Em implantodontia, diferentes classificações e mecanismos de supressão da dor podem ser usados. Um protocolo de controle de dor foi estabelecido, o que significa e padroniza os vários aspectos de alívio da dor:

    1. Analgésicos não-opióides (paracetamol, ibuprofeno, naproxeno, cetoprofeno, piroxicam, nimesulida, celecoxibe, tramadol)
    2. Analgésicos opioides (codeína).
    3. Adjuvantes

    A estratégia do manejo da dor usando múltiplos analgésicos com diferentes mecanismos de ação é denominada terapia analgésica combinada. O objetivo de combinar diferentes tipos é aumentar o efeito analgésico e diminuir as possíveis reações adversar farmacológicas. Quando múltiplas drogas são usadas em combinação os efeitos aditivos e sinérgicos permitem o uso de doses menores de cada droga individual. Com a terapia combinada, o paracetamol e os anti-inflamatórios são usados somados a um opioide. (…) Devido ao efeito máximo do paracetamol e dos anti-inflamatórios não-esteroidais, incrementos na dosagem não fornecerão qualquer analgesia adicional; contudo irão aumentar os efeitos colaterais.

    Outro trecho[2]:

    A seleção de um analgésico ou de um regime analgésico para o tratamento da dor pós-cirúrgica é idealmente baseado na intensidade esperada da dor. Isto pode ser baseado na anamnese do paciente, no limiar passado de dor, no tipo de procedimento, na extensão da reflexão tecidual e na duração do procedimento. (…) De acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, o procedimento e o paciente devem ser avaliados e classificados como leves, moderados ou severos. Dor leve: A dor leve é autolimitada e geralmente será resolvida com as doses recomendadas de antiinflamatórios.  Dor moderada: Geralmente não será totalmente solucionada com antiinflamatórios não-esteroidais. Ela ira interferir com a função e interromper as atividades diárias do paciente. Dor severa: É definida com a dor que interfere com algumas ou todas as atividades  diárias do paciente. Ele pode ficar confinado à cama, e o tratamento com opioides fortes necessitará ser continuados por dias. As terapias medicamentosas adjuvantes podem ser necessárias para suplementação”.

    Parto do princípio de que a punção da anestesia já é um foco de dor pós-operatória. Por isso, todas as vezes que aplico anestesia condiciono a prescrição de paracetamol 500 mg. Também considero que a anestesia causa alguma alteração na consciência e sempre ofereço o dia de descanso, por meio do atestado. Essa ideia surgiu no livro do Malamed[3], quando o autor informa que pilotos de caça não podem pilotar por vinte e quatro horas após receber anestesia dentária. Se considerarmos que dez porcento das anestesias são acidentalmente intravasculares. O reflexo do piloto pode se reduzir e ele é responsável por um avião que custa alguns milhões de dólares, sem contar as possíveis vítimas em solo ou qualquer outro dano que um acidente aéreo possa causar.

    Já os procedimentos com Dentística, a cunha de madeira, as matrizes, grampos de isolamento provavelmente machucarão as gengivas. Já considero como dor pós-operatória, somada com a dor causada por aplicação da anestesia. O paracetamol vira a regra.

    Já nos casos de Endodontia, trato com agressividade: o possível flare-up pós-esvaziamento do canal pode manchar a reputação do dentista. Segundo Malamed[4]: o dentista bom é aquele que trabalha sem dor – ou seja, aquele que sempre anestesia. Para Endodontia, uso medicamentos injetáveis, na maioria das vezes, ofereço uma receita com diclofenaco sódico 75 mg, uma ampola no glúteo. Além disso, sempre prescrevo um antiiflamatório numa receita que ficará disponível nas horas seguintes, para o paciente optar se precisa de mais analgesia. A nimesulida e o cetroprofeno são ótimos. Porém, simpatizei com o celecoxibe 200 mg, a cada doze horas, por quatro dias. Pelas minhas observações em mais de vinte anos, o celecoxibe raramente causa desconforto gástrico, que observei ser a principal queixa. No entanto, o celecoxibe não é um bom analgésico. A bula indica para tratamento da dor, em uma dose inicial de 400 mg. Não tive boas experiências com essa prescrição. Então, gosto de uma prescrição de Voltaren injetável com uma receita de celecoxibe disponível numa receita em casa. Na bula do Ducox, Celecoxibe 200 mg:

    Ducox (celecoxibe) é indicado para o tratamento sintomático da osteoartrite (lesão crônica das articulações ou “juntas”) e artrite reumatoide [inflamação crônica das “juntas” causada por reações autoimunes (quando o sistema de defesa do corpo agride por engano a si próprio)]; alívio dos sintomas da espondilite anquilosante (doença inflamatória crônica que atinge as articulações da coluna, quadris e ombros); alívio da dor aguda, no pós-operatório de cirurgia ortopédica ou odontológica e em doenças musculoesqueléticas (como entorse do tornozelo e dor no joelho e na coxa); alívio da dismenorreia primária (cólica menstrual) e alívio da lombalgia (dor nas costas).

    O alívio da dor aguda é insuficiente com celecoxibe, pela minha experiência.

    Recentemente, tenho ouvido os endodontistas condenarem a prescrição de anti-inflamatórios na pulpectomia, por uma suposta interferência na reparação tecidual. Usam apenas dipirona. Não ouvi fundamentação quando perguntei para uma colega, então pesquisei no Google e a resposta foi:

    Um endodontista pode não usar um anti-inflamatório imediatamente porque a dor que surge após o tratamento de canal é uma reação inflamatória normal e passageira. Em muitos casos, o desconforto pode ser aliviado com analgésicos simples, e um anti-inflamatório só seria considerado em último caso ou se a dor não melhorar. Além disso, o dentista deve sempre prescrever o medicamento adequado com base em cada tipo de caso, considerando os possíveis efeitos colaterais e a condição do paciente.

    Por que não usar anti-inflamatório de imediato?

    É uma resposta inflamatória normal: Após um tratamento de canal, é comum haver inflamação e sensibilidade nos tecidos ao redor do dente, o que é uma reação natural do processo.

    Pode ser suficiente um analgésico: Em muitos casos, um analgésico simples pode controlar o desconforto.

    Avaliação da necessidade: O endodontista precisa avaliar a intensidade e persistência da dor para determinar se há necessidade de um anti-inflamatório, em vez de usá-lo rotineiramente.

    Discordo frontalmente dessa conduta, talvez minha visão de perito tenha me tornado mais defensivo. É que justamente estou propondo neste pequeno texto, para evitar a todo custo dor pós-operatória e a Endodontia é uma das disciplinas que mais enfrenta a agudização do caso. E como já disse, o paciente interpreta isso como má-prática e pensa em pedir indenizações.

    Já nos casos da Cirurgia Oral, a dor pós-operatória será certa. A mão deve ser pesada com os analgésicos, como descritos: paracetamol, paracetamol com codeína 30 mg e o tramadol. Uma prescrição um pouco mais cara é a soma de tramadol com celecoxibe. Nos casos de exodontias de terceiros molares, a injeção de AINE é obrigatória (nas minhas observações). Na literatura, Andrade indica o Diprospan (betametasona injetável) como medicação antes do procedimento. Já trabalhei com dentistas bem mais experientes que nunca usavam nenhum tipo de anti-inflamatório. A prescrição deles sempre foi Tylex (paracetamol com codeína 30 mg). Esse dentista me garantiu que usava essa estratégia com sucesso havia trinta anos. Na literatura[5]:

    Regimes analgésicos para o uso na clínica odontológica:

    Analgesia preemptiva: tem início antes do estímulo nocivo, ou seja, previamente ao trauma tecidual. Neste regime, são empregados fármacos que previnem a hiperalgesia, que pode ser complementada com anestésicos locais de longa duração.

    Analgesia preventiva: o regime tem início imediatamente após o dano tecidual, porém antes do início da sensação dolorosa. Em termos práticos, a primeira dose do fármaco é administrada no final do procedimento, com o paciente ainda sob os efeitos da anestesia local, seguida pelas doses de manutenção no pós-operatório, por curto prazo.

    Analgesia perioperatória: o regime é iniciado antes da lesão tecidual e mantido no período pós-operatório imediato. A justificativa para isso é de que os mediadores pró-inflamatórios devem se manter inibidos por um tempo mais prolongado, pois a sensibilização central pode não ser prevenida se o tratamento for interrompiado durante a fase aguda da inflamação.

    O regime mais eficaz com os AINEs é o de analgesia preventiva, introduzindo imediatamente após a lesão tecidual, porém antes do início da sensação dolorosa. Em termo práticos, a primeira dose é administrada no final do procedimento (paciente ainda sob os efeitos da anestesia local), seguida das doses de manutenção, por curto período. Os AINEs também são eficazes na dor já instalada (p.ex: pericementites), como complemento dos procedimentos de ordem local (remoção da causa).

    Observei quando tive uma fratura no osso calcâneo e que, por isso, fiquei engessado por seis semanas. A dor era intensa, numa escala de zero a dez, era nota sete. O ortopedista havia me prescrito tenoxicam 20 mg (Tilatil) e tramadol 100 mg, cada um deles a cada doze horas. Não tomava os dois juntos, mas um comprimido a cada seis horas, alternador. Percebi que o tenoxicam era muito mais analgésico que o tramadol sozinho. Depois de observações com pacientes, concluí que a maioria dos AINEs (antiiflamatórios não hormonais, corticoides) é mais potente do que os analgésicos de ação central (tramadol ou codeína) no alívio da dor. Confirmei com alguns pacientes, que me afirmaram que haviam observado isso também.

    Portanto, parto do princípio de que AINEs são mais potentes que os analgésicos de ação central, sempre com as apresentações comuns no mercado brasileiro – Tramal ou Tylex. Eles são mais analgésicos: diclofenaco, naproxeno, piroxicam, cetoprofeno.

    Criei esta escala de analgesia por via oral: primeira forma de analgesia – paracetamol 500 mg ou 750 mg, a cada seis horas. A segunda forma de analgesia – diclofenaco, naproxeno, piroxicam e cetoprofeno. E a terceira forma de analgesia – diclofenaco, naproxeno, piroxicam ou cetoprofeno somados com um analgésico de ação central (Tramal e Tylex).

    Por outro lado, se a via intramuscular for disponível no Serviço, como no meu caso no ambulatório da Prefeitura no qual temos a sala de medicação. A primeira forma é a injeção de diclofenaco sódico 75 mg, dose única, aplicada no glúteo. A segunda forma é a soma da primeria, somada com um dos cinco AINEs da lista acima. E terceira forma, quando se espera dor muito intensa seria: injetável na UBS ou outro Serviço, anti-inflamatório via oral somado com uma receita de analgésico de ação central – tramadol e codeína. Dessas formas, esse protocolo vem me servido há muitos anos.

    As posturas que não me agradam são aquelas que diz para “tomar dipirona se tiver dor” ou “qual analgésico você está acostumado?” da qual a resposta é ibuprofeno na maioria das vezes. Entendo que esse comportamento transfere a responsabilidade do dentista para o paciente, que é leigo, obviamente. Tenho observado minha outra modalidade de trabalho – a perícia judicial em Odontologia – que esta prática está associada a futuros pedidos judiciais de indenização. Portanto, levo a analgesia pós-operatório a sério, sempre oferecendo anestesia diante de todos os casos que a mínima dor for possível. Outro protocolo, na literatura[6]:

    Analgesia perioperatória: prescrever 4 a 8 mg de dexametasona a serem tomados uma hora antes da intervenção. Administrar 1 g de dipirona sódica imediatamente após o procedimento. Prescrever 500 mg de dipirona a cada quatro horas pelo período de vinte a quatro horas. Caso a dor persista após esse período, prescrever nimesulida 100 mg por via oral ou cetorolaco 10 mg sublingual, a cada doze horas, pelo período máximo de 48 horas.

    Não tenho qualquer experiência com o cetorolaco (Toragesic), talvez seja interessante tentar usar qualquer dia, na bula:

    Toragesic® é um anti-inflamatório não hormonal, de potente ação analgésica, usado para o tratamento a curto prazo, da dor aguda de moderada a severa intensidade.

    Conclusões

    A analgesia e a anestesia são úteis para a reputação do dentista. Aplicar anestesia de forma a prevenir a dor – em quase todos os procedimentos – melhora nossa reputação. Considerar a dor pós-operatória como possível sinal de problemas jurídicos futuros é bom para a reputação, por isso nunca transfira a responsabilidade da analgesia para os pacientes, na forma de “tome o que está acostumado a tomar”. Portanto, assumir o protagonismo no tratamento, sem essa postura antiga.

    São Paulo, 19 de setembro de 2025

    (assinatura digital)


    [1] Implantes Dentais Contemporâneos, Carl E. Misch, 3ª edição, Elsevier, p. 477.

    [2] Implantes Dentais Contemporâneos, Carl E. Misch, 3ª edição, Elsevier, p. 480.

    [3] A lidocaína e a procaína diferem um pouco dos outros anestésicos locais, pois pode não ser observada a progressão habitual dos sinais e sintomas mencionados. A lidocaína e a procaína frequentemente produzem uma sedação leve inicial ou sonolência (mais comum com a lidocaína). Em razão desse potencial, a Força Aérea e a Marinha dos EUA mantêm os pilotos de aeronaves em solo por 24 horas após o recebimento de um anestésico local.  

    MALAMED, Manual de Anestesia Local, 5ª edição, Mosby, São Paulo, p. 32-33.

    [4] O administrador de anestésicos locais que adere a essas etapas adquire entre os pacientes a reputação de ser um “dentista sem dor” em MALAMED, Manual de Anestesia Local, 5ª edição, Mosby, São Paulo, p. 167.

    [5] ANDRADE, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, Artes Médicas, São Paulo, 2014, p. 46-47.

    [6] ANDRADE, Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, Artes Médicas, São Paulo, 2014, p. 102.