
André Eduardo Amaral Ribeiro, cirurgião-dentista e perito judicial[1] em São Paulo.
O assunto que mais gera perguntas dos interessados na perícia judicial é como agir frente ao comportamento agressivo do advogado e ataques pessoais a pessoa do perito. Antes precisamos ver o contexto em que estamos lidando.
Panorama
Antigamente, o advogado picareta manobrava com mais espaço, pois seu cliente – às vezes – nem sabia o número do processo ou a vara onde tramitava. Com a tecnologia, os processos ficaram acessíveis ao cliente e muitos advogados picaretas se revoltaram. Bons advogados aprovaram a transparência, isso até ajudava, pois é comum que os clientes desconfiados telefonem para pedir explicações sobre um trâmite processual, como um simples despacho comum, que por sua linguagem, causa insegurança no leigo. Já os picaretas se apavoraram. A partir daquele momento, seus clientes poderiam avaliar e questionar a qualidade da defesa ou o empenho do picareta no processo. Portanto, jogar com a falta de transparência ainda ajudou muitos advogados do passado. Isso não cola mais.
Existe também uma corrente de advogados que trabalham com uma regra infeliz – impugnar todas as manifestações da outra parte. Jogam infinitamente dessa forma e fingem que estão trabalhando. No entanto, os clientes não são mais trouxas, pois podem buscar informações na internet e traduzir o que está havendo dentro do processo – a tão temida transparência. Não consigo compreender como um advogado possa ser feliz e ter algum sucesso trabalhando dessa forma de impugnações infinitas.
De qualquer forma, a cobrança do cliente aumentou proporcionalmente com a transparência e com a ferramenta sistema Push nos sites da Justiça. O sistema Push é uma forma simples de cadastrar seu e-mail naquele processo e receber uma mensagem a cada andamento processual. Uma forma de vigiar o advogado contratado e medir seu desempenho, independente da unidade de medida, leiga ou técnica. É um direito do consumidor e de qualquer pessoa ao contratar um serviço – acompanhar o andamento da prestação desse serviço.
Vamos pensar que o perito novato leu os autos, marcou a perícia, avaliou o paciente, pensou, escreveu e entregou seu laudo. Uma das partes será contrariada neste laudo e se a parte for representada por um tipo dos advogados impugnadores que descrevi acima, o comportamento virá bem previsível – o texto atacará o trabalho do perito. Note que não irá atacar os argumentos usando a Ciência. Irá atacar a capacidade, o conhecimento, o profissional do perito que assinou o laudo. Veremos alguns péssimos exemplos dessas manifestações sem educação que lidamos no cotidiano:
“não possui capacidade técnica para a atividade que assumiu”
“Mas…como em “um passe de mágica”, a nova e misteriosa conclusão passou a ser”
“Ante à desconexa conclusão laudo, importante destacar que, antes, no que tange aos pontos controvertidos”
“não é preciso sequer analisar profundamente os termos do inexplicável “laudo substitutivo”
“requer a expedição do ofício para o comitê disciplinar do CROSP para apurar a conduta ilegal do perito”
“a incerteza das conclusões”
“destaque-se, ainda, nesse sentido, apenas a título de exemplo (dentre tantas outras aberrações) que o perito”
” nada mais lamentável e absurdo poderia ter ocorrido”
“seja determinada a realização de nova perícia”
“anulação imediata do laudo”
“O perito hesita nas respostas”
“Não sabe responder”
Note a boa quantidade de palavras abstratas. Escritores hábeis falam por verbos e substantivos concretos. Medíocres falam dessa forma dos exemplos acima – muito pronomes indefinido (alguns, muitos, certos), voz passiva, nominalização, verbos de ligação e locuções verbais. Quem gosta de Redação já percebeu que o advogado agressor tem dificuldades em se manter no assunto. Afinal, a fase pericial é científica, apresentada por quesitos suplementares, textos e seus trecho de livros ou obras científicas. Fugir da Ciência demonstra o desespero ou é a resposta à pressão do cliente do advogado. O advogado que age assim provavelmente já recebeu um telefonema de seu cliente que questionou o “porquê de que aquela causa ganha[2] não está saindo conforme a promessa inicial”, feita lá na época da contratação. O advogado está pressionado, seu cliente quer explicações. O primeiro erro foi certamente ingressar com uma ação sobre Odontologia sem contratar um assistente técnico – essencial, pois conhece a Ciência. E somente quem conhece essa Ciência terá sucesso numa fase pericial e na apresentação de quesitos que realmente defendam sua posição.
Já escrevi que assistente técnicos são vitais para ingressar com causas de indenização na Odontologia. Mesmo antes de iniciar qualquer avaliação, a ação precisa ser pertinente, precisa ser lógica, precisa ter fundamento. Do contrário, chamam-na de aventura jurídica.
A análise de viabilidade daquela ação deve ser obrigatória, antecipada e humilde. Se não temos fundamento, melhor nem mesmo ingressar com a ação. Isso protege nossa reputação, mas também protege o escritório de Advocacia. Aprendi isso com uma advogada de São Paulo, Fernanda Zucare, que dirige um belo e lucrativo escritório no bairro de Santana e tem certificados de boas práticas empresariais. Ela não aceita qualquer ação somente porque um cliente deseja pagar. Ela pensa em sua reputação. O gerenciamento de uma crise frequentemente perde o controle e existem profissionais que trabalham com esse gerenciamento.
Xingar o perito nos autos é uma crise que precisa ser gerida e vou ilustrar. Falar sobre teoria exige exemplos concretos.
Nas Olímpiadas do Rio de Janeiro 2016, um episódio lamentável aconteceu com o nadador americano Ryan Lotche. Ele afirmou mentiras sobre um suposto sequestro ou uma tentativa de extorsão de policiais brasileiros. Nada disso aconteceu. Um vídeo de câmera de segurança de um posto de gasolina desmentiu o nadador. Tudo foi apurado e as mentiras dele foram descobertas. A opinião pública e outros atletas ficaram contra ele. Foi banido dos jogos. Todos os seus patrocinadores cancelaram os contratos. Ele voltou para casa sem nada. Então, eu descobri o que era o Dancing with the Stars, aquele programa que um famoso tinha seu professor de dança e um prazo para aprender a dançar e se apresentar.
Dancing With The Stars
Descobri a interessante história desse programa. Uma empresária americana tinha uma ótima habilidade com gerenciamento de crises. Ela pensou e criou o programa. O objetivo não era ensinar a dançar ou divertir. O objetivo era levantar famosos que haviam se metido em confusões e que estavam com a imagem arranhada. Era o caso exato do nadador Ryan. Ele pagou uma fortuna para esse profissional, que tinha a participação no programa. Ela o incluiu como dançarino para melhorar a imagem dele. E deu muito certo. Com as orientações sobre simpatia, bom comportamento, Ryan foi voltando a antiga imagem, de nadador e vencedor. Ele se reabilitou por meio do Dançando com as Estrelas nos EUA. E conseguiu reverter sua situação em menos de um ano. Ele se desculpou publicamente, tudo sob a consultoria de altíssimo padrão dessa empresária – que não me lembro o nome. Então, descobrimos para que o programa de dança serve – para ser contratado por famosos em situação difícil, que pagam uma fortuna e receber uma assessoria profissional para reabilitarem-se. Genial.
Voltando ao processo
O advogado que fez a besteira não tem dinheiro para contratar a assessoria do Dançando com as Estrelas. Ele está ferrado, sem dinheiro, suas petições fracas espantam mais clientes. A concorrência jurídica o devora. E um perito arrogante – na verdade, um perito correto e trabalhador – descobriu a verdade. Então começam os xingamentos nos autos. E uma coisa intolerável para os juízes de direito é bate-boca e escândalos nos autos. Não pode. Tem que cortar.
Não entre na do advogado galo de briga e não responda. Use a minha estratégia:
A fase pericial é uma fase com debates sobre a Ciência contida na Odontologia. Vez que a parte não foi capaz de apresentar quesitos para defender o seu ponto de vista, o perito requer o encerramento da fase pericial.
Basta esse parágrafo acima para resolver as agressões nos autos. Não tente responder uma a um dos questionamentos sobre supostos erros ou incapacidade do perito. Restrinja-se a Ciência. O que não for Ciência, nem tenha o tempo de ler. A melhor defesa é fazer com que o cliente entre em conflito com o advogado, em razão de sua incompetência. Xingar o perito é um absurdo.
Bibliografia
Para entender o pensamento, dois livros são essenciais: 1) A Arte da Guerra, Sun Tzu e 2) 48 Leis do Poder, de Robert Greene. Acho que a melhor forma que consigo explicar é esta. Uma briga ou guerra se resume a energia de cada oponente. Então, considere que é mais importante que seu inimigo consuma a energia dele do que você ganhar muita energia. Muitas guerras foram vencidas com essa estratégia – o general poupava seus recursos, mas usava uma estratégia para que o inimigo consumisse a energia dele. Como exemplos: ataques com fogo nos suprimentos inimigos ou lançar o inimigo em uma perseguição inútil. Estes dois livros são ricos em exemplos estratégicos.
De qualquer forma, não consuma a sua energia respondendo às agressões do advogado perdedor, faça com que ele gaste sua própria energia até a exaustão. Essa é regra de ouro. Pedir para que ele não se manifeste com termos comuns, mas com quesitos apoiados na Ciência vai gerar um belo de um trabalho. Como o advogado inimigo é preguiçoso, ele não gosta de pesquisar e vai tomar o caminho mais cômodo.
Justificativa
Em teoria, maus comportamentos e xingamentos poderiam ser denunciados à Comissão de Ética da OAB. Já caí nessa besteira. Perdi tempo e gastei dinheiro para o advogado ser absolvido. E tenho amizade com um antigo conselheiro desta comissão, ele me garantiu que havia forte corporativismo e que as chances de sucesso eram pequenas, mesmo diante de casos evidentes na gravidade. Basicamente, ser xingado num processo é sem saída. Não há para quem recorrer, portanto, siga meu conselho e não embarque nessa furada.
Resumo
O perito faz o seu trabalho e assina o laudo. O lado prejudicado pelas conclusões geralmente é aquele que subestimou a causa, dispensou o assistente técnico, teve um advogado mal preparado e um cliente busca explicações para o péssimo desempenho. Alguns advogados xingam muito o perito nos autos. Note que: 1) a parte que xinga não tem argumentos científicos por falta de assistente técnico; 2) na falta de argumentos para virar o jogo, pouco sobra, começam os xingamentos; 3) não responda, não se justifique, não entre na do advogado; 4) use o pensamento que aconselhei acima – favor apresentar quesitos com base na Ciência; 5) responder aos xingamentos é uma armadilha, raramente existe punição para um advogado que age dessa forma.
O segredo da perícia é proteger a sua energia e principalmente a energia do juiz que o nomeou. Pense nisso e me responda daqui a cinco anos.
São Paulo, 27 de outubro de 2025
(assinatura digital)
[1] 334 nomeações para atuar em processos cíveis.
[2] Péssimo hábito de advogados do passado, que para se promover, garantiam o resultado do processo e sua vitória.

